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quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Mal me quer bem me quer


Não percebo como uma jovem de 22 anos é mãe quanto mais uma menina de 14 e 15 anos. Por isso, quando me deparei com essa realidade em Cabo Verde fiquei mais uma vez chocada. Acho que já vem sendo um hábito. É inacreditável para mim, mas parece que para a sociedade é um facto banal. "Meninas e moças" desfilam pelas ruas de Praia orgulhosas da sua barriga como se o amanhã não existisse. Aquele é o seu troféu! Passam despercebidas e só aqui a portuguesa é que fica pasmada a olhar para uma criança que está à espera bebé. Lili deixou-me sem palavras…

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Chega devagarinho. Pede licença para entrar. Traz a promessa de que veio para ficar. A primeira reacção é de querer, de imediato, fechar a porta. Depois faz-se de convidada à força. Assim é a gravidez precoce. Uma realidade que deixa marcas na alma e no rosto de quem a carrega.


Ser criança… Jogar à bola, brincar às escondidas, pular, saltar, dizer os mais inofensivos disparates, ter uma única liberdade que só ocorre naquele tempo, em determinada época, naquela infância. Fazer birras desnecessárias, fazer perguntas indiscretas. Aprender, estudar, ouvir os conselhos dos mais velhos, viver de sonhos. Ser criança é tudo isto e muito mais.

Aos dez anos, Lili (nome fictício) já não fazia isso. Os meninos eram olhados não como meros companheiros de “diabruras infantis”, mas como possíveis parceiros sexuais. Uma menina num corpo de mulher. A fase de criança desaparece quando o corpo começa a passar por certas mudanças. Mas para a sociedade, Lili continuava a ser apenas uma menina de dez anos. A menstruação chegou aos oito anos. Tal como a promiscuidade, característica apontada pelos amigos mais chegados. Lili é mais um caso da disfunção paternal… do pai pouco se sabe, a mãe sempre ignorou-a, não querendo saber dos seus receios, medos, afastando-se simplesmente do seu crescimento. Nunca foi registada.

“Adoptada” por uma mulher muito respeitada no Platô, Lili tinha um fascínio especial pela rua. “Corria atrás dos rapazes, eles eram o seu alvo predilecto”, conta uma vizinha. Aparentando ter 16 anos, procurava no sexo masculino “aquilo que nunca tinha recebido da verdadeira família”: amor e afecto.
A caminho dos 11 anos, engravida de um homem 20 anos mais velho. “Ele não sabia que ela tinha aquela idade. Andava sempre atrás dele, não o deixava em paz, acho que chegou um momento que ele não resistiu mais”, conta a mulher que agora dá auxilio à jovem actualmente com 17 anos. Com cerca de quatro meses, os professores descobriram que a menina estava à espera de bebé. Na altura, o caso chocou a sociedade caboverdiana.

Tal como manda a lei, que pune criminalmente as relações sexuais com menores de 16 anos, o homem foi preso, ficando quatro anos atrás das grades. Lili ficou com uma menina nas mãos. “Uma criança a cuidar de outra criança”.
Com ajuda dos vizinhos e da “mãe adoptiva”, deu à luz após três dias do seu aniversário. Lili nunca foi acompanhada por um psicólogo, por uma assistente social, por alguém que a orientasse nesta nova caminhada.


Hoje já não conta com o apoio da mãe adoptiva, faleceu há um ano. O dia à dia começa de manhã quando vai deixar a sua menina de seis anos a uma senhora que a ajuda. “A vida dela é dormir, ir trabalhar, de vez em quando, e à noite vai para escola. Diz que só quer fazer o 12º ano”, conta a mulher que toma conta da pequena criança. Só à noite é que Lili vai buscar a filha depois de sair das aulas. A relação resume-se somente a um “chamar mãe e filha”, não há elo de ligação, não há envolvência. Tal como a mãe, a menina de seis anos aparenta já ter 10 anos, anda na escola e o que mais gosta de fazer é de ir à escola. “Estou aprender a escrever e a ler”. Quanto a lili não tem sonhos para contar ou objectivos para alcançar.

In "Expresso das Ilhas"

5 comentários:

gicas disse...

É Margarida, é realidade. Custa, nao é? É cultural.Essa é a verdade.
No meu entender, um lado mau da cultura crioula, assim como o machismo e a violência no seio familiar.

Ainda tens tanto para te chocares e espantares.

Nao te espantes, se alguém te achar "anormal", ou achar que há um problema grave contigo, por teres essa idade e ainda nao teres um "bando" de crianças amarradas à tua saia!

Eu tenho 30, nao tenho filhos e no inicio as pessoas ficavam chocadas como se eu fosse uma mulher "anormal" ou "seca".

É engraçado que as tuas primeiras "impressoes", reportagens sao de temas iguais aos meus....

Sou bem capaz de comprar o Expresso só para ler o teu trabalho.

Poes muita poesia no teu trabalho e isso, neste tipo de reportagens é muito bom!

Anónimo disse...

Uma criança sem rumo, sem um apoio ou alguêm que lhe desse um carinho...
deixou-se levar por palavras mais tarde por caricias e assim caiu num poço sem fundo sendo mãe sem ter tido oportunidade de desfrutar de uma.
Continua Margarida...

Anónimo disse...

Portugal é o segundo País da União Europeia (UE) com mais adolescentes grávidas. Espantar-se aqui porquê?

Anónimo disse...

Olá "Gira", tudo bem??
Acabei encontrando o teu blogue e pude ler este artigo.
Tens toda razão no que disseste, é um facto que acontece todos os dias, e como já é hábito e não se tomam medidas, torna-se num hábito "normal". Apesar de circular ( ou ter circulado) alguma informação casos infelizes do género continuam a acontecer.
Continua...

Anónimo disse...

realmente o aspecto cultural é o que mais se evidencia, assim como ha vários aspectos que se marcam no desenvolvimento deste pais, e isso faz com que os contrastes sejam ainda mais notáveis, o problema da gravidez precoce assim como o machismo e a violência domestica são factores marcantes na nossa sociedade, apesar de ser um factor que só o tempo ira nos responder se poderá melhorar ou não, em quanto isso aguardamos pelas apostas na educação e mais apoios as ONG.

muito bom amiga
gostei