terça-feira, 23 de junho de 2009
Morna é...
É inspiração de poetas. Princesa de serenatas. É o choro do violão que ao ouvi-la desperta do seu sono mais profundo.
Lamentos que se querem para sempre escutar. É a noiva sem grinalda. O tal expressar de almas. O reviver de sentimentos nostálgicos.
Simplesmente cantar o que o coração sente, e ir ao mais fundo dos fundos.
Para sempre a senhora de Cabo Verde.
É a morna...
Um símbolo nacional... do mesmo modo que o tango é na Argentina, a rumba em Cuba e o fado em Portugal. Um hino que atravessa mares e fronteiras.
Com um andamento lento, um compasso binário, e na sua forma mais tradicional, com uma estrutura harmónica baseada no ciclo de quintas...
Já a sua estrutura poética organizada em estrofes que vão alternado como um refrão.
Sempre a acompanhá-la estão o violão, os violinos, a viola de dez cordas, o cavaquinho,o piano... e uma voz dolente, emotiva, forte.
Nos anos 30 admitiu a entrada para a sua orquestra do clarinete e do trompete, nos anos 70 e 80 aparece com versões eruditas...
O único género musical que consegue ser largamente transversal a todos os grupos etários, que se gosta sem hesitar, que se escolhe para se caracterizar cada episódio da vida.
A sua origem não está esclarecida. Permanece num debate sem fim, rico em especulações. Os registos históricos não são abundantes e a transmissão oral foi o veículo que a fez chegar aos nossos dias.
A maioria alega que a illha da Boavista é a sua mãe. Outros dizem que foi criada no Mindelo, em S. Vicente. Alguns afirmam que o seu nascimento se deu na Brava. Mas nenhuma ilha revindica a sua paternidade...
As influências. Na hora de escolher a variedade impera.
Modinha brasileira, muito popular nas colónias portuguesas do séc. XVIII, fado, passando pelo lundum. Trazida pelos marinheiros, ou pelos escravos de várias regiões de África.
Várias teorias.
Há ainda quem defenda que a morna, como o fado, são descendentes de canções de escravos de SãoTomé e Príncipe.
O Fado e a morna. Muito as distingue e pouco as separa. Tem entre elas um amigável diálogo, uma até respeitável confraternização. Ambas se afirmaram como voz musical dos seus povos.
Há mornas ao jeito de fado e fados com cheirinho a morna. Mas saber se a musicalidade crioula nasceu dos acordes do destino português, para isso só há diversos pontos de vista.
A palavra. Para uns, deriva do inglês to mourn, que significa lamentar ou chorar os mortos. Para outros, a palavra tem origem no francês morne, que é o nome dado a colinas nas Antilhas francesas, onde são interpretadas as chansons des mornes.
Mas para uma grande parte, a palavra morna corresponderia ao feminino da palavra portuguesa morno, numa alusão ao carácter suave e dolente da morna.
O regresso, a saudade, o amor à patria, o mar, a paixão que arde sem se ver. Temáticas variadas. O romantismo intoxicante dos trovadores que a cantam e a criatividade dos que a compoêm.
Na sua primeira fase, a morna tinha como características, segundo os seus estudiosos, um andamento mais rápido do que o actual e letras menos melancólicas e sentimentais.
É a partir do final do século XIX que, na ilha Brava, Eugénio Tavares, confere às cordas de uma guitarra portuguesa, um extremo lirismo, fixando os temas da morna em torno do amor, da idealização da mulher e da saudade.
É o poeta. É o compositor. É o contador das histórias que perduram à passagem das épocas. Hoje as suas composições são tocadas, cantadas, sentidas pelos mais diversos artistas de Cabo Verde.
Ninguem quer esquecer Eugénio Tavares e... ele também não quer se esquecido.
Já a partir de meados dos anos 20, com aquele que é considerado, ao lado de Eugénio Tavares, um dos maiores génios da composição em Cabo Verde, Francisco Xavier da Cruz, mais conhecido por B.Leza, a morna vai receber uma outra alteração importante.
Neste caso, não no que se refere às letras, mas sim aos aspectos harmónico e melódico.
Influenciado pela maneira de tocar o violão dos marinheiros brasileiros que passavam por São Vicente, sua ilha natal, B.Léza introduz o meio-tom (acordes de transição) na morna, impregnando-a de uma certa dramaticidade que a partir de então passa a ser um dos seus elementos característicos.
Cabo Verde, recheado de grandes compositores. Lela d’Maninha, Olavo Bilac, Muchim d’Monte, Sergio Frusoni, Jorge Monteiro "Jotamont", Manuel d’Novas, Ano Nobo, Renato Cardoso e Betu. Todos trazendo a morna ao peito. É o seu emblema.
Sãozinha Fonseca... Homero Fonseca... Titina... Bana ... Helena França... Cesária Évora e os eternos Fernando Queijas e Ildo Lobo.
Nos últimos anos, a morna foi levada a ser conhecida internacionalmente por vários artistas, nomeadamente em França, nos Estados Unidos, em Portugal.
Enquanto Cesária Évora levou até ao Olympia, Carnegie Hall ou Hollywood Bowl a essência da morna, Ildo Lobo, encantou aqueles que ainda tiveram a honra de o escutar.
O homem de timbre forte partiu em 2004, mas deixou um legado de músicas que fazem questão de permanecer como o estatuto de memórias vivas.
Fernando Queijas. O primeiro artista caboverdeano que gravou discos em Portugal e a cantar na RDP e RTP. O homem que introduziu a orquestração ligeira na morna, conjugando instrumentos tradicionais e electrónicos. Ele e as mornas tornavam-se um só cada vez que subia a um palco.
Compositor e intérprete, Fernando Queijas deu a conhecer a Portugal um gênero musical que se assemelhava ao misterioso fado.
Apesar de ter deixado este mundo há , na sua residência em Lisboa permanecem o seu piano, o seu violino e violão que acompanharam-no durante anos a fio. Pacientes... como esperassem a cada minuto pelo o tal toque de anos.
Nomes que a história faz questão de não apagar. Rostos que expressam aquilo que lhes vai na voz, ao som de uma morna.
Tal com José Osório de Oliveira, amigo de Eugénio Tavares, disse um dia: “Nunca, com efeito, a alma de um povo encontrou, tão perfeitamente, a sua expressão, numa única manifestação de arte.
Pode afirmar-se, portanto, que a morna resume em si todos os sentimentos e condensa todas as aspirações artísticas dos cabo-verdianos”.
Morna é isto tudo e muito mais...
Programa Nha Terra Nha Cretcheu, quinta-feira, a partir das 19h00, em Cabo Verde e às 21h00 em Portugal.
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